Um pesquisador do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) identificou uma nova espécie de fungo orelha-de-pau nos manguezais de Florianópolis. A primeira coleta, que deu início ao processo de descoberta, foi realizada em março de 2018 nas dependências da Universidade. “Eu estava indo com um colega ao CCA [Centro de Ciências Agrárias] e, no caminho, nos chamou atenção aquele fungo grande e rosado crescendo em uma aroeira. Realizei a coleta (que consiste em, além de coletar o material, coletar informações sobre substrato) e fiz algumas fotografias”, revelou Thiago Kossmann, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas (PPGFAP).
Ao tentar identificar o material, o pesquisador percebeu que a espécie possuía características únicas, como esporos bastante grandes para o gênero, assim como dois tipos de cistídios. “Quando comparado com as descrições de espécies do mesmo gênero, observamos que as características não batiam com nenhuma delas, o que indicava que se tratava de uma espécie nova. Então realizamos um trabalho cuidadoso de comparação com as outras espécies existentes do mesmo gênero, assim como de espécies de fungos poliporoides descritas para manguezais, para nos certificarmos de que se trata de fato de uma espécie nova”, explicou Thiago.
Além das análises morfológicas, também foram realizadas análises moleculares, a partir das sequências de DNA, para reconstruir filogenias, que determinam a história evolutiva das espécies e suas relações filogenéticas. Essas análises filogenéticas servem tanto para corroborar que se trata de uma espécie distinta das outras até então descritas, quanto para entender essas relações e ajudar a classificá-las.
A espécie recebeu o nome Trichaptum fissile (‘fissile’, em latim, significa ‘algo que se fende ou que se parte’). “Esse nome foi escolhido pois, com o tempo, os basidiomas dos indivíduos da espécie começam a apresentar rachaduras na superfície himenial (na região onde ficam os poros, e onde são produzidos os esporos), o que é possível de observar na foto”, afirma o pesquisador.
O fungo é encontrado em manguezais e arredores, ocorrendo nas árvores do mangue – Avicennia schaueriana (mangue-preto) e Laguncularia racemosa (mangue-branco) – e em aroeiras (Schinus terebinthifolius). É notável pelo seu tamanho, podendo chegar a 30 centímetros e apresenta coloração em tons de rosa.
Espécie já se encontra ameaçada de extinção
Embora recém-descoberta, a espécie já se encontra ameaçada de extinção por ocorrer exclusivamente associada aos mangues. Estima-se que possa haver uma redução populacional de 30% a 40% nos próximos 30 anos, devido ao aumento do nível do mar causado pelas mudanças climáticas, o que empurraria os manguezais cada vez mais para a terra. “Em boa parte da costa brasileira, os manguezais não teriam espaço para se expandir terra adentro devido à ocupação humana, bem como a elevação do mar provavelmente seria rápida demais para permitir uma resposta nesse nível”, destacou Thiago.
O pesquisador ressalta que ainda existe a ameaça da destruição dos mangues tanto para a construção imobiliária, o que pode ser observado em Florianópolis, como em consequência da construção de tanques de carcinicultura (criação de camarão), além da poluição. Ele explica que a preservação da espécie é possível por meio da preservação dos manguezais. Nesse caso, são necessários esforços para reverter as mudanças climáticas, o que implica uma mudança a nível global e local (nacional/regional) através da proteção e recuperação dos manguezais.
De acordo com o Atlas dos Manguezais do Brasil, hoje mais de 80% dos manguezais brasileiros estão legalmente protegidos, porém, o país já perdeu cerca de 25% da área original. Ainda assim, entre 2013 e 2016, mais de 36 mil hectares de mangue foram perdidos para conversão em tanques de carcinicultura. Soma-se a isso o fato de boa parte desses manguezais, apesar de protegidos, estarem próximos de cidades, expostos à poluição.
A nova espécie encontra-se em estado “vulnerável”, de acordo com as categorias da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Além dela, outras três espécies de fungos de Florianópolis estão incluídas na lista vermelha da IUCN: Fuscoporia bifurcata, outra espécie descrita dos manguezais; Rubroporus carneoporis, descrita em 2002 a partir de um espécime coletado na UFSC; e Wrightoporia porilacerata, descrita em 1996 a partir de um espécime coletado na Unidade de Conservação Ambiental Desterro (UCAD). Todas as espécies encontram-se ameaçadas de extinção, tendo seu estado de conservação avaliado como “vulnerável” nas categorias da IUCN.
Importância da descoberta
Thiago Kossmann reforçou a importância do processo realizado na UFSC: “Mostra como ainda há descobertas para serem feitas mesmo nos ambientes que frequentamos todos os dias, o que também mostra quão pouco se conhece sobre os fungos (estima-se que conhecemos menos de 10% das espécies existentes)”, avaliou. “Florianópolis é uma das áreas mais bem amostradas e com uma história micológica muito rica e, mesmo assim, ano após ano temos trazido à luz da ciência novas espécies aqui da Ilha. O fato de a espécie estar ameaçada ressalta o papel que nossa espécie tem de realizar mudanças no meio ambiente, sejam elas negativas, como são as ações que colocam as espécies em risco, sejam elas positivas, como a percepção de que a natureza está ameaçada e a movimentação no sentido de protegê-la”, finalizou.
Além do estudante de mestrado, também estão envolvidos na publicação: o professor do Departamento de Botânica da UFSC, Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos, orientador de Thiago; o bolsista DTI-CNPq e colaborador do PPG em Botânica da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Diogo Henrique Costa de Rezende; e o professor do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Aristóteles Góes Neto.