Cozinha trancada, sem fraldas geriátricas e com fome; Fotos revelam situação de idosos em Porto Belo

Foi através de uma denúncia recebida pelo Disque Direitos Humanos, relatando maus tratos a idosos, que em 2020 foi instaurado um inquérito para investigar o Lar de Idosos Perequê. Após o levantamento das informações, o Ministério Público de Santa Catarina determinou através de uma liminar a interdição total do local e um prazo de 10 dias para providenciar a transferência dos moradores para outras instituições de longa permanência.

Imagens obtidas com exclusividade pelo Visor Notícias mostram a situação que viviam os idosos. Uma das funcionárias, que trabalhou no local e prefere não se identificar relatou situações de total descaso que o casal de proprietários tinham com os idosos. Segundo ela, os idosos não jantavam, apenas comiam pão com manteiga e um café, isso às 17h30. Depois, a cozinha era totalmente trancada e os funcionários não tinham mais acesso. Os idosos, mesmo com fome, só iriam voltar a comer às 8h30 do dia seguinte, ou seja, permaneciam mais de 16 horas sem comer.

“Era muito triste. Os funcionários tinham que seguir o que eles mandavam. A gente chegou a levar frutas e outras comidas escondido para dar para os idosos. Mas, eram muitos. Eu trabalhei lá e presenciei muita coisa horrível. E quando questionávamos eles, diziam que não tinham condições de estar cuidando melhor. Muitas vezes escutei até de outros funcionários que houve agressões por parte deles. Eu não presenciei, mas, não duvidaria”, conta a ex-funcionária. A casa, que chegou a ter quase 30 idosos quando começou já tinha em 2023 46 idosos no local.

Além do alimento ser completamente escasso, outra situação desesperadora era quanto a limpeza deles. A determinação por ordem dos proprietários seria que funcionários deveriam trocar os idosos apenas uma vez por dia. O ideal é que ocorram cerca de quatro trocas ou até mais. Porém, no Lar dos Idoso Perequê, a ordem era justamente o contrário, sob a desculpa de não ter fraldas geriátricas para todos.

“A equipe era formada por três funcionários por turno sendo dois no plantão da noite. A equipe da noite/madrugada entregava com banho pronto já para a manhã. Mas, a ordem era que o banho deles ocorresse entre 4h30 e 5h30, isso até mesmo no inverno. Depois não se trocava mais a fralda. Ficavam com a fraldas abertas, em camas molhadas de urina, a situação muito triste. E não tínhamos o que fazer. Eles determinavam as regras”, diz.  Nas imagens é possível ver que muitos dos idosos estão com as fraldas totalmente cheias, vazando e muitos deles até nus em cima da cama.

Para a técnica de enfermagem, ela e os colegas precisavam trabalhar, mas encontraram o local nas piores condições. “Eles tinham problemas em contratações, ninguém parava por muito tempo ali. Geralmente ficavam com os funcionários no máximo até 60 dias justamente para não contratar com carteira assinada. E sei que eu e meus ex-colegas também não receberam até o momento ”, relata.

MPSC pede fechamento do local

A ação foi iniciada pela 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Porto Belo após constatar, em um inquérito civil instaurado em 2020, que as irregularidades apontadas não foram corrigidas pelo poder público e pela entidade responsável pela administração da instituição. 

A Promotoria de Justiça teve conhecimento inicial do funcionamento da Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) por meio de uma denúncia recebida pelo Disque Direitos Humanos, relatando maus tratos de forma genérica. A investigação evoluiu para um inquérito civil, sendo realizados diversos procedimentos extrajudiciais para solucionar a situação. 

Em uma visita recente no dia 16 de novembro, a Promotoria de Justiça, junto com fiscais sanitários e fiscal farmacêutica da Vigilância Sanitária Municipal, além de representante do Corpo de Bombeiros Militar, identificou diversas irregularidades na estrutura, falta de higiene, descuido com medicações, e um número de funcionários abaixo do mínimo necessário para atender à quantidade de idosos e ao funcionamento adequado da instituição. 

Após a inspeção, a Vigilância Sanitária destacou a necessidade de resolver questões como desentupimento de encanamentos, substituição de armários em condições precárias, armazenamento adequado de alimentos e substituição das bases das camas. Dez dias após a inspeção, constatou-se que nenhuma das exigências foi atendida, resultando na decisão de interdição das atividades do Lar de Idosos Perequê no dia 30 de novembro.

Devido às condições insustentáveis e às irregularidades persistentes, a 1ª Promotoria de Justiça encaminhou um expediente ao Município de Porto Belo no dia 1 de dezembro para que iniciasse o acompanhamento da devolução dos idosos às suas respectivas famílias, com início no prazo de 72 horas. Além disso, o Conselho do Idoso foi acionado para acompanhar a remoção dos idosos. 

A Promotora de Justiça Lenice Born da Silva ressaltou que, além dos maus tratos denunciados, a situação dos idosos apresentava riscos evidentes, especialmente devido à alimentação precária oferecida. Diante disso, a medida liminar foi deferida pela 2ª Vara da Comarca de Porto Belo, determinando a interdição total e imediata do Residencial Geriátrico Costa Esmeralda EIRELI, com a obrigação de acolher os residentes em outras Instituições de Longa Permanência para Idosos em até 10 dias. 

Em caso de descumprimento, o administrador está sujeito a multa diária de R$10.000,00. O município deve coordenar os trabalhos de transferência, sob pena de medidas coercitivas. A decisão é passível de recurso.